Palavra do ano
Gaslighting foi escolhida como a palavra do ano de 2022 do Merriam-Webster, editora de dicionários mais antiga dos Estados Unidos. Não foi nenhuma surpresa. Isso porque o termo é cada vez mais comum em artigos de opinião, conversas nas redes sociais ou declarações de figuras públicas.
As pesquisas pela palavra no site da Merriam-Webster aumentaram 1.740% em 2022, segundo a empresa. Mas você sabe o que Gaslighting significa? O termo já existe há anos na psicologia e é tratado como algo bastante preocupante.
É possível, inclusive, que você, leitor ou leitora, seja vítima do gaslighting sem saber.
O termo é usado para designar uma forma de abuso psicológico. Ele consiste no uso de informações de forma manipulada, fazendo com que a vítima não consiga mais acreditar na própria percepção da realidade.
Origem do termo
O termo gaslighting surgiu do filme “Gas Light” (“À Meia Luz”, 1944). Na história, um homem tenta manipular a esposa e todos à sua volta. E como ele faz isso? Agindo para que todas as pessoas ao redor acreditassem que sua esposa fosse “louca”.

No filme, as luzes da casa dos personagens, geradas à gás (“gas light“), piscavam de tempos em tempos.
O personagem principal, Jack Manningham, ao longo da história, tenta convencer a esposa Bella de que ela está ficando louca. O verbo em inglês gaslighting vem de uma das situações do filme, baseado em uma peça teatral.

Mais recentemente, o termo vem sendo usado para designar uma técnica de manipulação que consiste em fazer com que a vítima seja reduzida, no seu entorno e por si mesma, a louca, confusa, mentalmente instável, etc.
Era da desinformação
Uma das motivações para que o termo se tornasse a palavra do ano tem a ver com nosso contexto. Em tempos de manipulação de informações, usando mentiras e técnicas de causar propositalmente confusão, o termo tem chamado cada vez mais atenção.
“Nesta era de desinformação — de notícias falsas, teorias da conspiração, trolls do Twitter e deep fakes — gaslighting surgiu como uma palavra para o nosso tempo“, disse a Merriam-Webster em um comunicado no final do mês de novembro.
A Merriam-Webster diz que o termo se refere principalmente à manipulação psicológica. Contudo, seu uso moderno é impulsionado pelo “grande aumento de canais e tecnologias usadas para enganar” as pessoas. Assim, segundo a editora, fala que o termo aparece especialmente em contextos pessoais e políticos.
Figuras como Jair Bolsonaro (PL), por exemplo, vem sendo apontadas como àquelas que recorrem frequentemente ao gaslighting. Isso ocorre, por exemplo, quando o presidente brasileiro insiste na reafirmação de informações sabidamente falsas, de forma a inflamar sua militância política.
Gaslighting e violência de gênero
Um âmbito bastante comum de se encontrar o termo é nas relações românticas. Isso porque o gaslighting é uma forma bastante conhecida de abuso psicológico contra mulheres.
No início desse ano, Arthur Aguiar, participante do reality show Big Brother Brasil 2022, foi acusado de gaslighting. No programa veiculado pela TV Globo, ele foi acusado de manipulação nas interações com mulheres participantes do reality.
Nesse caso, basicamente ele foi acusado de, nas discussões com as participantes mulheres, agir de maneira a sempre fazê-las serem vistas como desequilibradas, contrapostas a ele. Em síntese, é como tentar irracionalizar a outra pessoa numa discussão.

Stephanie Robilio, diretora clínica do Agape Treatment Center, explica que existem tipos diferentes de gaslighting. Nas relações românticas, essa prática acontece, por exemplo, quando um parceiro invalidade sentimentos da outra pessoa, insiste ter feito algo sem tê-lo feito ou retém informações importantes, ou responde a tudo com expressões como “você é sensível demais”, “você não aceita brincadeiras”, entre outros.
Em relacionamentos românticos, o gaslighting pode acontecer quando uma pessoa trai mas, em seguida, tenta fazer com que a outra pessoa se sinta culpada pela traição ou passar para seu núcleo de amigos em comum que a outra pessoa seria “louca” por desconfiar da traição ou mesmo descobri-la.
Com efeito, essa prática é bastante comum em relacionamentos abusivos, no geral.
Mas só existe em relacionamentos românticos?
Nos relacionamentos românticos, o gaslighting é um sinal claro de relacionamento abusivo. Embora mulheres sejam frequentes vítimas, homens também podem o ser. Isso pode ocorrer também entre casais LGBTQIA+.
Mas não só nesse tipo de relacionamento o gaslighting acontece. Nas relações familiares, por exemplo, esse uso da mentira ou desinformação para fazer com que outras pessoas “passem por loucas” também ocorre.
Na verdade, isso pode ocorrer em qualquer tipo de relação humana, como no trabalho ou entre amigos(as). O site do médico Jairo Bauer fez uma lista de frases, expressões e atitudes que são manifestações típicas de gaslighting:
- “Você está exagerando”;
- “Você precisa de ajuda”;
- “Eu não fiz isso”;
- “Você está chateada por nada”;
- “Se acalma, vai”;
- “Você é tão dramática”;
- “Por que você está tão defensiva?”;
- “A culpa é sua”;
- “Você é tão sensível”;
- “Para de imaginar coisas”;
- “Eu só estava brincando”;
- “Ah claro, agora você vai com pena de si mesma”;
- “Você não sabe? A família toda fala de você, todos acham que você está ficando doida”;
- “Eu nunca disse que iria passar no mercado. Do que você está falando? Agora, graças a você, a gente não tem nem o que jantar”;
- “Você está louca. Eu nunca fui nesse lugar com você. Para de inventar coisas”.
Ouve esse tipo de expressão com frequência? Talvez seja vítima do gaslighting.
O que fazer quando se é vítima?
Uma das coisas a fazer, conforme explica matéria publicada no site de Jairo Bauer é buscar (re) encontrar uma maneira de recuperar seu poder e responder à pessoa ou à situação sem reagir impulsivamente.
Reservar um tempo para o autocuidado e definir limites em relação a certas falas e ações do seu entorno é fundamental. Pedir apoio a pessoas próximas e confiáveis e, a depender do caso, ajuda profissional, é importante também